JÁ COMEU ALFACE HOJE?
Se a resposta for
sim, ótimo – sinal de que você é fã de uma dieta saudável. Agora uma segunda
pergunta: tem certeza de que as folhas estavam bem lavadas? Em caso de dúvida,
sentimos informa-lo: melhor teria sido abrir mão delas.
Imagine ouvir de
alguém que comer salada pode fazer mal. Você na certa não daria o menor
crédito. Já que conhece muita das propriedades nutricionais das verduras. Sim,
elas existem e isso ninguém discute. Mas, se as folhas não forem muitíssimo bem
lavadas, todas as suas decantadas virtudes, fique você sabendo, caem por terra.
Nesse caso, em vez de fonte de tantos nutrientes indispensáveis, elas passam a
ser uma verdadeira ameaça. Lá no cantinho mais insuspeito de uma alface, por
exemplo, pode se esconder um ovo capaz de transmitir a neurocisticercose – uma
doença perigosíssima que surge quando a larva da tênia, aquele parasita que
infecta o porco e o intestino humano, se instala no cérebro.
Antes que você diga
que isso na certa é problema de quem vive na zona rural, dos que não têm acesso
a condições mínima de higiene ou ainda daqueles que adoram uma carne de porco
mal passada, é bom desfazer esses mitos. Só para se ter uma idéia, um estudo
recente feito em uma comunidade de judeus ortodoxos em Nova York mostrou que
ali também havia casos da doença. Como explicar a cisticercose num grupo de pessoas
que não come carne de porco de jeito nenhum, num dos países mais ricos do mundo?
Pois é, a doença não tem fronteiras nem discrimina grupos de qualquer espécie.
“Calcula-se que haja uns 400 mil casos sintomáticos na América Latina”, conta o
neurologista Ronaldo Abraham, do Hospital das Clinicas paulistano. No mundo,
são cerca de 50 milhões. Números nada desprezíveis, você há de convir. E isso
sem falar na multidão de infectados que não apresenta nenhum sinal da doença.
Por incrível que pareça, esses vermes, como todo bom parasita, laçam mão de
vários mecanismos para enganar nosso sistema imunológico. E eles podem ficar bem
instalados dentro da gente, sem se manifestar, por até cinco anos. Não precisa
motivo melhor para lavar as folhas como se deve, precisa?
O CICLO DO MAL
Como o danado do
parasita consegue chegar ao cérebro de um cidadão qualquer? É simples: há um
grande contingente de pessoas – algo entre 1% e 3% da população brasileira –
que carrega no seu intestino a famosa tênia. Esse verme, que mede 2, 3 metros de comprimento,
libera anéis com milhares de ovinhos nas fezes da vítima. Se essas fezes caem
no ambiente – ou em um esgoto não tratado –, facilmente chegam aos rios e
fontes de água que irrigam as lavouras. As verduras fechadas, como a alface,
são as mais afetadas, pois os ovinhos acabam presos no seu interior. Para
piorar, eles são altamente resistentes e podem sobreviver até dois anos nas
piores condições.
LIMPEZA É TUDO
Uma pesquisa feita
pelo instituto de defesa do consumidor, o idec, reforça os motivos para lavar
muito bem as folhas: é alto o índice de contaminação por coliformes fecais em
verduras encontradas em estabelecimentos na Grande São Paulo. Das vinte e cinco
amostras analisadas, nove estavam contaminadas. E o mais incrível é que o
estudo só analisou hortaliças higienizadas, aquelas que vêm embaladas em
saquinhos, prontas para o consumo e que a gente pensa que pode comer sem medo.
“Não pesquisamos a presença de parasitas como a tênia”, admite Murilo Diversi,
especialista em alimentos do idec. “Mas é provável que também estejam lá”.
É incrível a
desenvoltura desses inimigos invisíveis. Se você ingerir uma verdura contaminada,
os ovos vão para o estômago. O suco gástrico, então, se encarrega de derreter a
casca, liberando os embriões dos vermes. Minúsculo, os intrusos conseguem
atravessar as paredes e caem adivinhe onde? Na circulação. Nosso corpo está
preparado para combatê-los, mas vencê-los é uma outra história. Isso vai
depender do equilíbrio de forças entre os soldados do sistema imunológico e o
exército de parasitas invasores. Uma vez dentro do organismo, eles podem se
instalar nos mais variados locais – nos músculos, nos olhos ou no coração, por
exemplo. “O cérebro é o lugar preferido deles, pois oferecem condições ideais
de abrigo”, adianta Luis dos Ramos Machado, chefe do ambulatório de doenças neuroinfecciosas
do Hospital das Clinicas de São Paulo. Há registro de casos em que se encontraram
– pasme! – 450 deles na massa cinzenta. É que o tecido – mole, esponjoso e
muito bem irrigado – tem tudo o que precisam para sobreviver. Além disso, o
cérebro fica sob a proteção da caixa craniana. Livre de incômodos e com alimento
de sobra, os embriões se desenvolvem e formam os cisticercos – larvas do
tamanho de um feijão.
Os problemas
acontecem quando a larva envelhece e o corpo começa a reagir pra valer. Surge
uma inflamação que pode resultar em convulsões, crises epilépticas, aumento de
pressão no cérebro e comprometimento de suas funções. “O sintoma vai depender
de onde está o verme”, esclarece o neurologista Afonso Neves, da Universidade
Federal de São Paulo. Dependendo do local onde o bandido se aloja, pode até
matar. Há varias formas de controlar o mal – desde medicamentos até cirurgias.
Ocorre que o próprio tratamento pode comprometer o cérebro. Portanto, vale a
velha máxima: prevenir é o melhor remédio.
HIGIENE SOB MEDIDA
Lave folha por folha,
em água corrente, com o talo para baixo para não espalhar os ovos que possam
estar embaixo. Como eles ficam bem aderidos, use uma escovinha para removê-los.
As folhas enrugadas, como a alface crespa, merece atenção especial. Para
eliminar outros microorganismos você pode mergulhar as verduras durante 15 minutos
em hipoclorito de sódio ou água sanitária (uma colher de sopa por litro de
água). Antes do consumo, lave em água corrente mais uma vez. Esqueça o vinagre:
ele não tem poder de fogo contra esses bichos.
ESTRAGO NO INTESTINO
Não confunda a
neurocisticercose com teníase. São doenças diferentes, causada por dois
estágios do mesmo parasita. Para se instalar no cérebro, é preciso ingerir os
ovos da tênia. Ela só chega ao intestino e causa teníase quando a vítima engole
a larva que estava na carne do porco mal passada. Essa larva vai parar no
músculo do porco quando o animal come os ovinhos que estão no ambiente. No
intestino humano, o parasita se desenvolve, vira um verme comprido e não causa
maiores transtornos além de um mal-estar. Lá ele é facilmente eliminado com
medicamentos.
FLAGRA NO PARASITA
O diagnóstico é mais
que simples: exames como a ressonância magnética ou a tomografia mostram
claramente o parasita. As imagens são bem características e não costumam deixar
margem a dúvidas. O médico também faz a análise do líquor, o liquido produzido
no cérebro e que circula pela coluna.
Estes são os estados
brasileiros com maior índice de contaminação: São Paulo, Distrito Federal,
Goiás, Mato Grosso.
Revista Saúde é Vital.
Por: Gabriela Cupani.