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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Cientistas apresentam o mais antigo ancestral do homem

Conheça Ardi, o espetacular fóssil de uma ancestral do ser humano que viveu na África há 4,4 milhões de anos. Seu esqueleto sugere que a anatomia humana é mais primitiva que a dos chimpanzés e gorilas

Em 1871, Charles Darwin escandalizou o mundo ao afirmar, em A descendência do homem, que o ser humano e o chimpanzé descendiam de um ancestral comum, aquele que se convencionou chamar de "o elo perdido" entre homens e macacos. O pai da teoria da evolução, Darwin disse que era impossível arriscar quais teriam sido as características daquele ancestral. Isto só poderia ser feito quando se encontrassem os seus fósseis. Na ausência destes, a única alternativa que restava seria olhar para os gorilas e chimpanzés. Ao estudar as suas semelhanças e diferenças com o ser humano, previu Darwin, poderíamos imaginar como teria sido o elo perdido. É o que gerações e gerações de antropólogos têm feito nos últimos 140 anos. Ao seguir esta lógica, os cientistas construíram uma imagem do ancestral comum que lembra muito a de um chimpanzé primitivo. Ele teria vivido há cerca de 6 milhões de anos, como indica a comparação entre os genomas do homem e do chimpanzé, espécies que partilham 98,5 % do mesmo material genético. Em algum momento naquele passado remoto, surgiu uma nova linhagem. Tudo teria começado com um macaco que resolveu descer das árvores e andar sobre as patas traseiras. Ao fazê-lo, liberou as mãos para aprender a manusear objetos. Muito lentamente, seus descendentes foram ficando mais inteligentes. O cérebro foi crescendo. Eventualmente, há 2 milhões de anos, uma nova espécie chamada Homo habilis aprendeu a lascar pedras e inventou o fogo. O resultado final desta saga somos nós, os quase 7 bilhões de seres humanos. Enquanto isso, nossos primos chimpanzés permaneceram nas florestas da África equatorial, vivendo como sempre viveram, catando e comendo piolhos uns dos outros.
A história evolutiva da humanidade remete imediatamente ao mito do herói. Neste caso, o herói era um macaco indefeso. Ele não era dotado da força nem das presas e garras das feras selvagens. Seu único dom era a inteligência. Fazendo uso dela, enfrentou os caprichos da natureza e lutou pela sobrevivência para, eventualmente, tornar-se humano. Trata-se de uma visão bela e muito romântica. Mas que não condiz em quase nada com a realidade. Apesar de ninguém ter achado o elo perdido, desde quinta-feira (1º) já se tem uma boa ideia de como ele era. Ao contrário de tudo o que imaginavam os especialistas, o elo perdido era muito mais parecido conosco do que com os chimpanzés. As evidências estão em Ardi, uma fêmea da espécie Ardipithecus ramidus, que viveu na Etiópia, há 4,4 milhões de anos. O seu esqueleto é bem mais completo e um milhão de anos mais antigo que o da famosa Lucy, a fêmea da espécie Australopithecus afarensis, descoberta na Tanzânia em 1974, e desde então considerada a "avó da humanidade".
"Ardi é a nossa grande irmã mais velha", disse o antropólogo C. Owen Lovejoy, da Universidade Estadual Kent, de Ohio, durante a apresentação do novo fóssil, feita em Washington, na sede da Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAAS). O esqueleto de Ardi foi descoberto no inóspito deserto de Awash, na Etiópia, em 1994. Uma equipe multinacional formada por 47 cientistas e liderada pelo antropólogo americano Tim White, da Universidade da Califórnia em Berkeley, escavaram dezenas de fragmentos de 35 indivíduos da espécie A. ramidus. O fóssil mais completo é o de Ardi. Dela sobreviveram o crânio, o maxilar com vários dentes, os braços, as mãos, a bacia, as pernas e os pés – é o único caso de uma coleção tão completa de relíquias de um ancestral humano tão antigo. Mas todos os ossos encontravam-se muito fragmentados e corriam o risco de virar pó com a pressão de um simples toque dos dedos. Assim, a equipe gastou 15 anos coletando, limpando e estudando tudo com o máximo de cuidado. O resultado é um avanço imenso no entendimento da evolução humana, avanço que foi revelado em 11 trabalhos científicos, que serão publicados em uma edição especial da revista americana Science na sexta-feira (2).

NOSSOS IRMÃOS
Simulação de como seria o Ardipithecus ramidus, ancestral do homem

"Lucy é um ícone entre fósseis. Desde que ela foi descoberta, em 1974, sempre que imaginávamos como seriam os nossos ancestrais, era Lucy quem vinha à mente – ou então era um chimpanzé", diz Lovejoy. "O que estamos revelando hoje é que todas essas suposições estavam erradas." Há 4,4 milhões de anos, Ardi reunia no mesmo esqueleto algumas características humanas e outras muito primitivas, que remetem aos macacos do Velho Mundo, como o mandril e o gibão. Para enorme surpresa dos pesqquisadores, Ardi não possuía nenhuma das características encontradas nos chimpanzés e gorilas, e que se esperava tivessem sido herdadas do ancestral comum. Em outras palavras, o ancestral comum era mais parecido conosco. Quem evoluiu rapidamente e mudou não fomos nós. Foram os
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"O ramidus era muito primitivo e os humanos retiveram alguns aspectos daquele ser primitivo", diz Lovejoy. O melhor exemplo está nas mãos. "É até mesmo provável que a mão humana seja mais primitiva do que a dos chimpanzés". Olha para a sua mão e entenda por quê. Estique os dedos. Todos eles se projetam para a frente, numa mesma direção. Agora coloque a palma da mão sobre uma superfície lisa. Você pode apoiar o peso do braço nela, se quiser. Ardi fazia o mesmo. Suas mãos eram parecidas com as nossas. Desde Ardi, esta anatomia está presente em todos os fósseis de hominídeos, os ancestrais humanos. Já chimpanzés e gorilas não conseguem fazer o mesmo. Além de seu polegar ser virado para trás, o que no caso dos chimpanzés permite que segurem melhor nos galhos das árvores, as duas espécies são incapazes de esticar a palma das mãos no chão. Quando no solo, chimpanzés e gorilas fecham as mãos e se locomovem apoiando-se sobre os nódulos do dedos fechados. Segundo os cientistas, andar apoiando-se nos dedos das mãos é uma característica exclusiva dos grandes primatas africanos – e que evoluiu depois que os ancestrais destas espécies se separam do ancestral comum que elas divivem conosco. Em outras palavras, o design das nossas mãos é muito antigo. "O estudo de Ardi nos faz concluir que o último ancestral comum é bem mais antigo do que os estudos de DNA indicam", diz Tim White. "Agora, achamos que o ancestral viveu entre 6 e 9 milhões de anos atrás, e tinha mãos parecidas com as nossas."
Quando viva, Ardi tinha 1m20 de altura e pesava 50 quilos. Não havia grande diferença de altura entre os machos e fêmeas daquela espécie – um traço que é marcante entre os gorilas machos, muito maiores que as fêmeas. Há 4,4 milhões de anos, a região de Awash era muito diferente da paisagem inóspita atual. Havia rios, lagos e bosques. Por causa desse meio ambiente, e do formato da sua dentição, sabe-se que Ardi tinha uma dieta variada. Ela comia de tudo, como nós.
Ardi dividia seu tempo entre as árvores, onde era desajeitada por causa do polegar “humano”, e no solo, quando andava ereta como nós. Ao fazê-lo, liberava as mãos para fazer o que quisesse. Se suas mãos eram parecidas com as nossas, será que ela conseguia manusear objetos, como galhos ou instrumentos de pedra?, perguntou ÉPOCA a White durante a apresentação do fóssil. "Esta possibilidade existe. Mas vasculhamos cada centímetro quadrado da região onde os fósseis foram encontrados e não achamos nenhuma pedra ou instrumento lascado."
A descoberta de Ardi é sensacional porque traz mais dúvidas do que certezas. Em vez de consolidar um pensamento antropológico antigo, Ardi o derruba. Agora, uma nova geração de cientistas terá que catar os cacos e reconstruir a teoria para saber por que o ser humano se manteve fiel à sua antiga linhagem. E por que chimpanzés e gorilas se diferenciaram. Como profetizou Darwin há 140 anos, até se encontrar o fóssil do ancestral comum, o máximo que os cientistas podem fazer é usar a imaginação e dar palpites – muitas vezes errados.

Fonte: Revista Época on line

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